Conto De(nte)mente

Caio estava angustiado. Ouvia o barulho infernal transpassar pela porta de madeira. Se não estivesse com dor rangeria os dentes tamanho medo que começava a lhe tomar por completo. Uma pequena mulher ruiva de decote generoso levantou-se e pegou um copo d’água no bebedouro. Voltou com a coluna ereta e suas nádegas balançando graciosamente por baixo do pano vermelho de seu vestido. Esvaziou o copo na face do homem nervoso. Ele olhou perplexo para a garota e essa em movimentos ligeiros puxou boa parte da roupa sobre o soutien e mostrou um pedaço de seu mamilo que parecia um cravo sobre um lindo doce de caju desses de festinhas animadas. O rapaz gelou e esqueceu por alguns segundos seu pavor. Ela disse:

— Entre lá bonitinho e comportado e eu lhe darei eles. Combinado?

Caio acenou a cabeça em sinal positivo. Estava perplexo e parecia que um felino não apenas havia comido sua língua, mas também feito dela uma bola de carne tamanho sua boca pareceu inchada. Ele não sabia se seus dentes subiram ou se seu céu da boca desceu e isso pareceu vagamente um louvor do Padre Marcelo. Mas ele não era religioso e pensou com convicção nas mamadas. Levantou de bate e pronto e bateu com o punho sobre a parte do peito onde seu coração batia, apesar das artérias pesadas e entupidas em detrimento de uma vida regada por fast-foods.

— Eu vou. E prometo não ter medo. — Seus olhos faiscavam de uma determinação inarredável. Ouviu um ribombar que parecia vagamente uma voz lhe chamando de dentro do consultório. Deixou a sala de visita para trás onde uma jovem enxugava as lágrimas tamanho orgulho sentia.

Foi recebido por um travesti que vestia um uniforme de enfermeira gostosa. O nome no jaleco dizia “Mara”. “Ela” pediu que o cliente sentasse para que ela começasse o procedimento. Nervoso, mas ainda convicto obedeceu. Mara amarrou os braços e pernas do pobre rapaz com uma corda de material grosso e aplicou um excelente nó de marinheiro. Havia aprendido tantas coisas que levava para toda a vida quando serviu a Marinha, refletiu a enfermeira de braços fortes. Seus dedos afofaram algodões na goela de Caio e sem querer riscou sua unha rosa-calcinha no canino dele. Ele sentiu um gosto de esmalte na sua língua. Cada segundo distanciava mais sua coragem. Mas ainda estava certo do que queria. Aguentou na pele.

Então entrou o doutor. O médico dos pré-molares difíceis, o cirurgião dos canais. Um homem com o rosto largo e inexpressível. Sua pele era quase marrom e suas sobrancelhas lembravam a púbis da Claudia Ohana. Vestia uma camiseta preta por baixo de sua vestimenta de trabalho havia marcas de batom aparecendo pela parte não abotoada em seu pescoço. Ele checou o trabalho feito pela sua assistente e soltou uma interjeição de raiva. Ela havia esquecido o principal. Apertou mais um pouco os apetrechos e puxou uma corrente prendendo o tronco e sorriu para o jovem.

— Segurança. — Disse quase tossindo. Então em um ato natural abaixou as calças. O rapazote deu um pulo e todos aqueles braços de cordão e metal mantiveram ele na cadeira.

— Calma, jovem. Não dói tanto assim. — Apertou um botão e a cadeira inclinou como uma gangorra daquelas que toda praça tem uma ou duas enferrujadas. Caio pensou em gritar, mas a mulher atraente com tetas brancas lhe mantinham a língua parada sem reverberação. Não podia soltar um pio que fosse. Cravou as unhas no couro macio e emitiu um barulho abafado de peido de velha. O dentista com ar de neurocirurgião estalou os dedos no ritmo de uma melodia antiga de AC/DC e de trás de um biombo 5 anões vieram ao encontro deles em um trenzinho alegre. O último ainda tinha em sua mão uma taça de vinho. Seus pequenos narizes estavam vermelhos e seus olhos diminutos estavam inebriados. Pegaram um enorme cilindro dividindo o peso do mesmo entre seus 10 ombrinhos tacanhos. O menor deles levou uma concha de plástico até a boca do paciente e um gás incolor foi enchendo o recipiente. Caio sentiu suas pálpebras pesando como se o World Trade Center fosse amarrado a seus cílios. Sua retina contemplou os 5 anões despindo-se uns aos outros com exceção do maior que conseguia tirar suas próprias meias. Todos estavam agora nus. Farelos de biscoito enchiam seus olhos. Não conseguia aguentar acordado. Ouviu um silvo acobreado que lhe arrepiou a coluna e a alma. O anão maior correu desnudo e abriu uma portinhola cujo som de trás sugeria algum animal raivoso. Não dava mais. Dormiu.

Acordou em uma sala cheia de sofás para uma pessoa. Quase uma cadeira. Estava nu e babava um pouco de sangue. Havia um espelho perto de seu assento e com algum esforço correu até o objeto que o refletia. Deu um sorriso forçado e viu que cada um dos seus dentes pares havia sido extraído. O sorriso banguela transformou-se em uma careta de horror. Sentiu um tapinha na bunda, amistoso e quente. Cordial.

— Olha só quem acordou. Desculpe a barbeiragem. Não sabia qual era o dente que lhe doía. Anotei no meu caderninho e mostrarei ao meu supervisor. Próxima vez não vai ter erro algum, posso lhe garantir.

Caio sentiu vontade de gritar. Porém sua língua estava dormente e com um gosto estranho. Havia ainda fluídos com cheiros nefastos entre seus lados interiores da bochecha. Tinha vontade de chorar.  Passou a mão no traseiro, estava dolorido do provável tempo preso naquela cadeira desconfortável. Notou que seu dente ruim realmente melhorara. Apertou a mão do homem dos dentes com movimentos firmes e disparou para a porta de saída após vestir-se.
Não encontrou ninguém. Só uma velha com cabelos de fogo. Ela lhe tacou um beijo soprado em sua direção, mas ele ignorou-a totalmente. Era sempre assim, ela suspirou. A esperança é um jovem que com as intempéries da vida acaba enfraquecendo e perdendo seu valor pela senilidade. Frustrado saiu a toda velocidade sem olhar para trás. Por seus ombros ficava para trás uma enorme placa na saída do enorme empreendimento que dizia:

Complexo de Saúde Universitário do Dr. Josef Mengele.
Ensinando aos nossos futuros doutores e especialistas o ofício como arte. Tratamento gratuito para aprendizado de nosso corpo discente. Vagas urgentes.

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